quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mentirosa

...E neste caos, neste abandono,
neste passante turbilhão de pó,
o teu sorriso é quase um trono
para a minha alma de só!...

Muito esperei. Já estou cansado...
Tudo é deserto para mim.
Mas, antes nunca te tivesse olhado
                                                       do que ficar sofrendo assim.

Já que me deste esta africana
gleba distante por consolação
eu t'agradeço - que ela é mais humana
e sincera que teu coração!

Aqui neste areal tranquilo e mudo,
por companheira da solidão,
posso dizer-te, mentirosa, tudo
o que calei por pena e compaixão.

Realengo, Rio de Janeiro, RJ, 1928.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Perfil de mulher

D. Beleza andou pelo teu rosto
E, feiticeira, deu-te o seu condão,
E foi, D. Alegria, de bom gosto,
Deu-te o riso melhor do coração!

Anda dizendo um poema de sol-posto
O teu semblante etéreo de ilusão,
Que até me faz pensar - n'um mês de agosto -
Na lua etérea a irradiar clarão.



Tu tens a suavidade purpurina,
De tudo que cintila e que fascina,
De tudo que é carícia e que é leveza...

Bendita seja a terra caprichosa,
Que te agasalha o vulto cor de rosa
E te acoberta o talho de princesa!...

Fortaleza, 1927

domingo, 29 de maio de 2011

Eterna História

Em pleno carnaval,
Numa alegria rubra, doida, sem igual,
A humanidade ri...
Delira, canta desvairadamente,
Enquanto eu tão somente
Sozinho penso em ti!

Altissonante, a carne moça canta,
Pela enormíssima garganta
da multidão!
E ao longe, os guizos de ouro gargalhando
Parece que vão zombando
Da minha solidão!

No rebrilhar das fantasias
Que enfeitam as ruas nos Três Dias
Há luxo e esplendor!
Somente no meu quarto pobrezinho,
Falta a seda sutil do teu carinho
E falta o teu calor!

Folia de pobres, carnaval penoso,
Só no teu riso que aparenta gozo
Carnaval de desventura,
Acho consolo para as cruas dores
Que vem dos seus olhos sonhadores
Para os meus olhos de tristura!...

Realengo, RJ, 1929

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Farol de Mucuripe

Farol de Mucuripe encantador,
Tristíssimo farol,
Distante do meu amor,
Sou como tu se faz sol

No teu eterno piscar d’olhos,
Neste incessante piscar,
Vais apontando os escolhos
Aos que navegam no mar...

Quantas vezes te olhei quando criança
E que saudades agora!
Tu és um emblema de esperança
Para os olhos que andam fora!

...E as tuas dunas alvadias,
E os teus verdes coqueirais
Lembram ingênuas poesias gravadas nos areais!...

Quando te vejo do oceano,
Sozinho, na escuridão,
Sinto, farol, que és humano,
Que também tens coração!

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

Farol tristonho que deixei piscando
Num piscar d’olhos compassado e infinito,
- ouve estes versos que escrevi chorando,
- ouve estes versos que escrevi partindo!

À bordo do “Almirante Jaceguay”, 1928

NOTA: O autor, meu pai, escreveu este poema, partindo do Ceará, sozinho, solteiro, no Navio “Almirante Jaceguay”, em 1928, com destino ao Rio de Janeiro, onde cursaria a Academia Militar de Realengo da qual sairia Aspirante a Oficial de Infantaria, na turma de 1931.
A foto que encontrei para ilustrar o poema, é de uma viagem que ele realizou no mesmo navio, em 1939, já casado com minha mãe, levando-a à bordo com um filho do casamento anterior dele, e uma filha do então casamento atual. Viajavam retornando ao Ceará, procedentes de Blumenau.
Presumo, por análises diversas que a última estrofe foi acrescentada por ele, separada das demais por uma linha pontilhada, nesta viagem de retorno.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Recordações

Ao som da etérea melodia
daquele tango sentimental
eras tu a falena mais esguia
que eu vi bailando pelo carnaval.

Já vai bem longe o tempo... entanto agora,
O livro do passado examinando,
Ainda a voz do violino chora,
                                                       E eu te recordo... qual te vi bailando!...

Vejo os teus olhos, vejo o teu sorriso
E o teu semblante régio-rosicler!...
- E vem-me ao pensamento um paraíso
para o teu corpo eleito de mulher...

Fortaleza, 1928

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Para os teus cabelos

O teu cabelo louro
Caído suavemente pelo rosto,
Lembra-me um sol riquíssimo de ouro
Boiando em nuvens de manhãs de agosto.

Meu poema rico de arrebol,
Os teus cabelos são
Gargalhadas rútilas de sol
No róseo céu da minha devoção!

Esconde esses cabelos por piedade,
não os deixe a ondular!
Que eles me matam de saudade
que eles me matam de chorar!

Fortaleza, 1926

domingo, 22 de maio de 2011

Brumas

Tristeza
é a dor que a gente tem,
em meio à natureza
Sozinho sem ninguém...

É a voz do insatisfeito,
eternamente incalma,
cavando em nosso peito
a sepultura d'alma...

É a saudade infinita
de tudo o que passou...
- dos róseos lábios da mulher bonita
que a gente não beijou...

Fortaleza, 1926